9/26/2006

Ecologia de um corpo fechado.


um progresso. ao qual retirámos o objectivo humano. o dinheiro. porque o ultrapassámos, não precisamos mais dele. estamos a plantar árvores, damos-lhes festas para não morrerem. não se entristecerem. porque quando morre uma árvore, desloca-se a energia nela e não a podemos ter ali, retida no tronco. falta-nos a coisa, o sentido, o bicho. faltava-nos. já não falta mais. nestes dias chuvosos, mais quentes, mais sórdidos (porque quentes) reaprendemos a colocar ordem nas coisas, esvaziando-as dos nossos padrões vazios. estamos fechados numa redoma de vidro mas soltos e livres por dentro. e ansiamos o dia em que, de novo, possamos sair à rua e respirar. porque merecemos. os nossos pais não o mereciam e estão bem enterrados, fazendo-se de novo em galhos novos que eu não conheço porque não vejo. o filho pródigo à casa regressa. soubemos nós regressar e reflorestar mesmo que em sonhos porque não nos deram já terra. porque não nos deram já facas e foices. estamos a plantar ferozmente dentro de nós, irrigam-nos já correntes de água fresca, desperta. que nós ansiamos por colocar no seu devido lugar. mal possamos sair de dentro do vidro e contemplar as flores com as mãos. saudades? apenas do futuro, daquele que derrote o nosso passado. que nos deixe gritar fora outra vez, passear de vento em vento e escorregar de cima, desde o luar até cá abaixo, com os nossos deuses. eu disse derrotar? ultrapassar. porque não há derrotas para os filhos do futuro, nem campos a escorrer sangue onde devia escorrer chuva. nem orgulho pelas razões estúpidas, e ânsia faminta de estúpidas coisas. Descansem, irmãos. neste dia de searas e de penedos, faremos nós a rocha nem que seja por próprias mãos, seremos nós o próprio rebento que rompe. quem sabe seremos poéticos sopros de eterno quando somos luta finita de animal pela mãe? Ignorante, bruto, mais perfeito outra vez sendo amor.

9/25/2006

Element(ar) Pessoano.



ou como quem chama burro uma vez, chama sempre duas ou três

Todos temos um não lugar nalgum lado. A nossa Utopia.
Quantos de nós vivem em imaginação?

Ninguém sabe onde estamos e mais do que física é estarmos aqui.
Ou não?

O que se transforma de facto, estagnou na não mudança.
Ou estagnou para a frente mexendo-se, sem qualquer transformação?

E lá dizia quem sabia, que mais do que isto,
é Jesus Cristo
que não consta tivesse biblioteca
ou percebesse nada de finanças.


Pedro! Quem te observa para lá do espelho?

9/23/2006

poema simples

Enquanto revolvia memórias e mãos cheias de areia, percebi que és um relâmpago que divaga à velocidade da luz pela minha cadeia bifurcada de nós, laços e entrelaços. Neurónios. Uma auto-estrada de pensamentos e estás em todos, mesmo naqueles que só acompanhaste em sonhos de que não te lembras acordada. Revolução, contra-revolução. Um epigrama de sensações confundidas em cheiros aromáticos, como um campo infindável de condimentos; cardumes de peixes a cheirarem a cardumes de peixes, e algas de odores potentes debaixo de água. Tu és o cheiro debaixo de água.
Bicho pequeno cristalizado, amarrado cirurgicamente num novelo de fio infinitesimal. Eu. Antes. Pássaro que desfere acrobacias mortais no imenso espaço sem fundo, percorrido da infalibilidade de um planar seguro como a aterragem. Durante (nós não temos depois). De ti.

9/22/2006

Fotografia

A nossa imagem permanece.
Naquele quarto que jamais abandonámos.
Fixa.
Escurecendo connosco numa gaveta fechada.

Pó de anos,
cobertor.
Seremos velhos
Mas continuamos a ser ali.

A tua saia abandonada.
Os teus óculos sonhando,
Empertigados num poleiro
Como os pássaros.

Matámos o futuro.
Intrujámos Deus.
Adicionámos novas leis
À física terrestre.

Fomos o somos
E seremos.
Fruta de todas as estações,
Invernos eternos.

Dois minutos
De técnica.
Cronometragem perfeita.
Sincronizámos o universo ao nosso próprio relógio.

Zoom.
Beijo.
Flash.
Amo-te.

9/20/2006

inundação.

Quando a mesa se soltou e partiu em dois. Escaqueirada no meio do chão com as suas pernas aniquiladas, o seu tampo inclinado em derrota, nesse momento, supremo de água entornada em alcatifa clara, manchando o chão como sangue, nesse momento dizia, ainda nada se tinha afigurado difícil de resolver na minha cabeça. Nem mesmo o caso mais complicado. Estarrecido diante da queda, somando as flores que morriam mais e mais coladas ao chão, tudo me parecia um acidente, um fenómeno singular tão prenhe de análise como as contas de somar. Pensei em dados concretos, explicações. A vertigem ocular em que o Pessoa come o pó da minha sala, já molhado como o chão e a alcatifa. Dir-se-ia assassinado, não o homem mas a arte no homem.
Não interessa, tudo se começa a complicar brevemente. Se pararmos para pensar é o que acontece. A mesa, a queda da mesa. Objecto robusto, sem falhas conceptuais, de essência ou mão-de-obra. Sólida. Sentava-me nela, não só eu, visitas ocasionalmente também o faziam, não rangia, não se desmoronava. Sólida como uma rocha. O mistério adensa-se.
Curvo-me para apanhar folhas, não o livro, não as flores, a água já fugiu para algo de mais essencial, inicial se quiserem, se bem que aos inícios temos de dar fins pois de contrário tudo é zero. Ela lá sabe de onde vem. Pingava em goteira, escorria pela mesa, pelo derrube da mesa, sentenciava-lhe o fim gota a gota, fria, mecânica, como um relógio. A mesa morria diante de mim, soube-o quando apanhava as folhas, salvas miraculosamente da fúria líquida, desta tempestade tenebrosa que me assolou o quarto.
O papel mais branco no chão que em minhas mãos, o papel conceito que segurava fortemente com os dedos, o papel subtraído em folhas, folhas mais brancas quando pensava nelas em papel, no abstracto. Agora, pedras ferventes, arroladas às minhas mãos fracas. Às minhas mãos fracas que desconhecem o antídoto do calor. Às minhas mãos humanas, organismos que conhecem os percalços da dor.
Ali, diante de mim, sobreviventes ao dilúvio. Poemas mortos, fingidos, esquemas mentais traçados a tinta preta, esquemas de fuga, planos elaborados de túneis, correntes de mar, coordenadas, fios infinitesimais de corrente eléctrica. Tudo isso, as folhas que me queimavam, que enxotavam para o vazio os pensamentos de catástrofe. O mistério é outro.
Simples. Uma compensação cósmica, waroldiana. A arbitrariedade do movimento consagrou-me na arte. Sobrevivi da cheia num poema, sou o náufrago do seu próprio quarto.

A gata.

Acabar o dia e receber uma foot massage. Talvez enquanto se bebe uma bebida indecorosa. Jeni gosta do tropor lânguido das coisas. Seja na vida real ou nos seus filmes a preto e branco, transforma sempre o ambiente num caldo remexido, aquecido a lenha. A sua única convicção é a lucidez de que a esperança (de esperar) enquanto conceito não faz sentido nenhum. As coisas acontecem a uma velocidade aleatória, fortuita, contida no seu adormecimento. Que sentido tem esperar pelo que virá concerteza no preciso momento em que tiver que vir? Sem dramas ou avanços ou recuos já chegou, ela é que ainda o não sabe.
Jenni gosta de aquecer as mãos entre as pernas, abandonar-se na serenidade do tempo que passa. Tracem-lhe que estado clínico traçarem ela lá está, deitada a sorver o inverno pela abertura de uma janela fechada. Tudo é, tudo foi, na conjuntura favorável de um diálogo com o gato. Com ele, Jeni mia, e podia fazer tudo o resto, não fosse o gato um gato. Ou não fosse a Jeni, a Jeni. Mas porquê querermos ser o que não somos e tentarmos o que não podemos quando temos a poesia a explicar tudo como deve ser explicado? Jeni é uma gata dengosa numa alcova de lã. Ela sabe disso perfeitamente.
Alguns passos sem compasso e já está: a música desprendeu-se em nuvens pelas paredes de marfim em sonhos. A marcar o ritmo está um corpo que rebola no fumo espesso de um borrão que arde. Arde no fogo, desfaz-se no ar. Como o corpo, a dançar no escuro quente até se perder. Mais uma volta Jeni, talvez chova a seguir.
Não vou contar nenhuma história, não vamos ter desfecho. Temos a Jeni a rir lá dentro, no quentinho da sua alma, a desejar ser exactamente a oportunidade do que é, a leveza da música, o mistério do fumo, o sono do gato.
Para mim, a primeira lição agostiniana: se não se provou no mundo nada para além da matemática e se essa, inbuditavel e consecutivamente se prova diariamente com mais força do que no dia anterior e no outro antes desse, então vamos admitir que temos também matemático. Porque matemática sem matemático não faz sentido não é assim? Tudo bem, faz sentido para os japoneses, com o seu zen transcendente que admite a não causa do tudo, o que se pensarmos racionalmente nos remete para o nada, o que, seguindo essa ordem de ideias, dizia essa ordem racional, nos remete ainda para a existência de dois universos no mínimo, o tudo e o nada, cuja fronteira por conseguinte, ou lá não está ou não a vemos. O que nos remete para o logos, que me foi comunicado ser o verbo que a Igreja Católica quis ver a arquitectar o mundo mas que na verdade não é verbo, é lógica, e avança, segundo a segundo, pedra a pedra. Que essa lógica possa não ter lógica nenhuma e que, a sua falta (de lógica) a torne na mais ordenada construção racional, e irracional, ao mesmo tempo, essa é outra conversa. Porque se pensarmos bem, o ponto de onde nasce toda a geometria é um ponto sem dimensão, espaço, tempo, forma, exactamente toda a infinidade de realidades geométricas com excepção dele mesmo, o ponto, pai de todas as outras.
Mas não compliquemos por agora. Leiam Agostinho da Silva. Porque são ou querem ser, e porque são sendo portugueses, logo também tudo o que existe no mundo sobre a forma de país, grupo, terra ou gente. Leiam-no. E já agora depositem uma vista de olhos no que for meu, se vos apetecer, senão tiverem nada que preferissem estar a fazer nessa altura. Se tiverem façam-no porque de certeza vos irá enobrecer. Ponto final.