4/23/2007

Divagação


O que eu queria era dar-vos boas notícias. Que estávamos no bom caminho e que todos nós avançávamos para um conceito para lá de nós. Era isso que eu queria, anunciar a realização de uma utopia. De um conto de fadas, do que quiserem. Queria chegar aqui e dizer-vos, “meus amigos, chegámos à era para lá dos valores, ultrapassada a moral. Chegámos à era em que não existem bons costumes, nem brandos.” todos nos realizamos em pleno e compreendemos que, para lá dessa realização, encontram-se compreensões nunca sonhadas.
Babilónica ambição a minha ser o arauto das verdadeiras boas novas, das que contam, que se prolongam para lá do horizonte estreito que enxergamos. Do debate positivo que sempre fazemos acerca do mundo e de nós próprios, que no fundo, nasce e resulta negativamente. Nós negamo-nos quotidianamente, prendemo-nos todos os dias a novas cordas, tudo isto enquanto realizamos dissertações acerca do livre-arbítrio, da nossa essência de liberdade. Por favor, meus senhores, falem de verdade! De verdades! Não debitem apenas impressões da vossa consciência adulterada, liberal-socialista-tacanha! Nenhum de nós é livre dentro desse nosso conceito velho, porque, pura e simplesmente, ele não existe na natureza. Nascer é privarmo-nos do livre-arbítrio.
Como pensar em deus, em ente supremo, em natureza, no que quiserem, não é possível sem lhe negar o livre-arbítrio de existir. Porque acima da superioridade de qualquer deus encontra-se a vontade do destino. E é ele que convoca deus, que nos convoca a nós, a participarmos do teatro. E em ambicionarmos ser livres.
A liberdade está na nessecidade de todos os factos existirem como existem. Eu escrevo por necessidade, tu lês por necessidade, mas não são necessidades nossas, mortais. É uma articulação das leis a que chamamos leis por ignorância, que seguem impávidas por infinito espaço, em infinito tempo, que, por o serem (infinitos), não o são. Não existem, pura e simplesmente. Porque a existirem teriam que ter um princípio e um fim, como tudo o que é real e não têm porque são compostos por números, infinitamente infinitos, balizados pelo zero, que, por o ser, não é nada.
Estamos assim inseridos num contexto absurdo, mas que só o é, porque deriva da nossa colocação perante o problema. Porque verdade, verdade é que nada nem ninguém pode garantir que é à óptica da lógica, dos princípios e dos fins, que tudo se processa e não através de um mecanismo de que não fazemos puto ideia. Pura e simplesmente.
Enquanto o homem for apenas homem não deixará de procurar na arca das suas impressões significados para a existência, definições para o que é real ou não é. nós não nos lembramos que daqui a milhões de anos estaremos extintos e que a inteligência superior à face da terra será a de chocos, lulas e polvos gigantes que terão uma capacidade encefálica muito superior à nossa. Não nos passa sequer pela cabeça que sejamos parte de um organismo vivo, que tem um ciclo de vida e do qual nós somos como uma célula no nosso próprio organismo. Somos assim, insuflados, cheios de nós e, acima de tudo, cheios de um vento vazio que nos torna o interior em vácuo.
E, no entanto, a inteligência abstracta, a sapiência que faz de nós sapiens, se nos massacra de incerteza, de ilusões, permite que façamos, desde a cadeira de tortura, raciocínios interessantes, que talvez nos digam que o caminho para ser andado precisa de o ser descalço e sem preocupações.

A) Quem estiver a ler este texto, neste preciso momento (eu sei que disse que o tempo não existe mas como não ser incoerente?) pode estar certo que toda a história do universo, de deus, do mundo para além do mundo e da compreensão, todos os triliões de triliões de triliões de acontecimentos diários que ocorreram desde o inicio da existência, desde o princípio dos tempos (se o houve) encadeados uns nos outros como uma cadeia cerrada de adn mitocondroidal, todos eles ocorreram para que, neste preciso momento, neste preciso instante, segundo, milésimo, estivesse a ler o que eu escrevo. Isso aproxima-nos a um ponto que eu não consigo descrever por palavras, que não é possível descrever por palavras, mas ultrapassa em muito a noção básica e vulgar de amor entre homens.

B) Quem estiver a ler este texto, neste preciso momento (eu sei que disse que o tempo não existe e reafirmo-o) não está de facto, neste preciso momento a ler este texto. Porque, na verdade, nada do que faça tem carácter real na medida em que são fenómenos que ocorrem no espaço-tempo desde o princípio dos tempos que, por ser infinito e, por puder ser batido e reduzido a nada dependendo da velocidade a que nos deslocamos (relatividade) não existe enquanto realidade. Tu não existes, como este texto não existe, como não existe o amor a poesia e este écran de computador. Não existe sequer uma existência real, antes um insignificante interlúdio onírico palpável.

Escolhe a hipótese certa.

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