4/23/2007

12:27


Eu quero criticar. Todos e cada um de nós. Começando por mim, que deveria estar a dar mais do que tenho guardado no peito. E não dou. Por um puro e insano egoísmo, que de puro (perguntam-se) detém a mera qualidade de inato.
Eu não procuro estabilidade nos tempos actuais. Sou contra essa noção. Ela mais não é que figura de corpo presente num deserto a torrar miragens. Essa e outras. Todas revestidas na película santificada da ambição.
Sou uma força viva, de geração recente, e transporto na mala o futuro dos homens. Como todos os jovens. Só que, como todos eles, esbanjo-o um pouco, dia após dia um pouco, ao longo de passos cravados de janelas. Abro-as e solto punhados de futuro, jogo-o à solta, ao encontro de qualquer gravidade.
Quero, como vocês querem também, doses regradas de aplauso, sucessos de várias formas e feitios, amor (mais receber do que dá-lo) e algum dinheiro. Talvez aderir à propaganda de estado e reclamar a devolução precoce do IRS. Quero, como vocês querem também, moradia para morar, vitórias no futebol e campos cobertos de açucenas.
Mas como eu sei, e vocês no fundo sabem, as açucenas são incompatíveis com as minhas mesquinhas vitórias. Sejam nas artes, no amor, no tacar de bolas numa mesa de bilhar. ou no futebol. Passam-se sacrifícios em promontórios para que eu vença. Para que eu vá para a cama excitado, de chama em brasa ardendo branda o orgulho que detenho na minha luzidia sala de troféus.
Porque temos todos a certeza da urgência de nos salvarmos. Vocês sabem-no bem. Tão bem como eu, melhor do que eu. Vocês sabem do que eu estou a falar, porque vocês vivem o mundo que eu vivo e porque vocês habitam corpos vossos que vos dão a sensibilidade de perceberem. A angústia de um acordar para o enforcamento diário. A angustia de comprar todos os dias uma corda para o enforcamento diário. A corda balançando os vossos corpos dos vossos décimos andares. A sombra dos vossos corpos inertes aliviando do sol um canário de janela. Tornamo-nos finalmente divinos pendurados do laço. E compreendemos o absurdo do nosso suicídio depois de o termos praticado. Depois e só depois. Espero eu, que dando pouco do que tenho guardado no peito, ainda guardo espaço para que caiba a esperança. Caso contrário, cumpra-se a ilógica do desperdício.


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