11/12/2006

domingo


Resvalo adormecido da cama. Mal sonhado. Os olhos carregam todo o peso do corpo até ao lavatório de porcelana sem importância nenhuma. Corre àgua, reflecte o espelho as sombras convexas do eu que acordou hoje. Sem fuga possível.
Sacudo-me, espremo-me em sabão, pode ser que se lavar debaixo de mim surja eu livre de questões. O de ontem, com algum remédio e solução. Sou um pinóquio vestido e barbeado a pôr os pés fora de casa. Um menino do coro a enfrentar o frete da missa quando a sola toca os tapetes do carro. Infléxiveis, os estofos grudam-me mais ainda ao meu peso. A máquina já cruzou a rua e eu continuo esquecido a adormecer.
Reflectem-se rugas no retrovisor, passam consecutivamente como em todos os domingos, pulando a sua confiança pelos buracos da estrada. A minha estrada, o meu caminho. O tempo ameno, o frio que já não chega como costume e a solidão das palavras sintonizadas em stereo fm.
A velocidade varia no meu cérebro infractor. Estou contrário à corrente de gente que corre abocanhando o sol como em procissão de suícidio. Quanto mais brilhar mais mata. A minha miserável contribuição para os vossos passeios, o indivíduo que foi deposto, que deveria permanecer a dormir. Não, não vou aconselhar-te outro emprego. Não, não me incomoda o cheiro do teu prefume. E houve um cigarro que se acendeu sozinho e que se fumou a si próprio no cinzeiro em forma de caixão.
Melodias. Os pontos cardeais neste rádio a pilhas, a oceânia ou o pacífico. Vamos às Caraíbas. Não vamos que é longe. As mãos nos bolsos, a matemática das divisas. 3 euros e meio. Não, não vamos às Caraíbas. Vou devagar mas não me apercebo. Estou indiferente ao tempo escalonado, o incómodo para mim não se resolve sem trânsito, está resolvido a não se resolver hoje. Como uma chaga dominical. Apropriada.
Tchaikovsky, o baile da primavera. Queres que tire? A faixa 4 empolgante, galopante, asfixiante. Toca e não pares de tocar, sou um maestro louco numa redoma de vidro. Sou o vosso devaneio dos dias santos e arranco-vos sorrisos lambuzados e estridentes. Não é a música que vos toca, é o alucinado que durará os minutos da sua glória. Quatro e meio, mais coisa menos coisa.
Chegámos. Dou por mim a tropeçar em pintores desfigurados e sou a sua tela riscada ao acaso. Os modelos em fila, guardando poses de mármore, como já não se usa. Picasso é louco. hoje eu sou a sua loucura em papel. Invertida da realidade esquemática. A descosnstrução. Um baile de velhos, concubinos de outros velhos, celebrando a vida. Sou o copo que eles erguem ao alto, a miséria das suas vidas de que se não desprendem. Sou a coruja sem cabeça, as datas, todas invertidas. Sou a ansiedade de um domingo a mais. Um imprevisto cubista no tempo real. A consequência de um acordar cheio de sombras.

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