10/06/2006

O Império.


Ele estava deitado, estendido, esperguiçando-se. Mas depois ergueu-se, pequenino e miserável, escorrendo substâncias viscosas da boca. Que se encontrava no rabo, ao contrário dos animais decentes. Eu estranhei aquela intromissão entre a noite e os beijos que ela me dava, enquanto disparava a sua máquina de poemas com flash. Ela é a ternura do escuro em concha à beira-mar plantada, ou em lebre de campo que corre rápido e se esconde. Não estranham então que cada fogacho de tempo, cada enquadramento tri-dimensional em que ela se encontre seja o meu encontro marcado por antecipação antes de todos os futuros. E eu acariciava-a com os olhos e dizia-lhe mistérios aos ouvidos. Quando não sabia nenhum, inventava-o, se é que não os invento e re-invento sempre, todos os dias, ao entardecer. Jogávamos à apanhada e como sempre, aldrabávamos e ela deixava-se apanhar e eu deixava-me apanhá-la o que condiz com amor partilhado, oferecido, para todo o bem, e para todo o mal, se for preciso. Foi então que o vi, qual nódoa em tampo de pedra, aberração escorregadia e arrastada, mas sorridente, gozando o seu cheiro singular. Não era mais do que um insecto, uma miséria criativa que se alimentou das sobras. De todos os dejectos. E sorria! E arrastava-se! Devo dizer que o meu olho nú binacolou-se por assim dizer, atelescopidou-se melhor acrescentando, e eu podia ver, sem excepção, cada gota da sua baba suja a tropeçar da boca traseira e a desfazer-se a meus pés, contra as minhas calças! Passou-me Darwin pela cabeça, todos os pré-socráticos, atomistas ou não, exacerbei a importãncia de todos os físicos e aguentei-me parado, em revolta, respeitando todas as leis da matéria e do espírito. Ele gozava, estava de prato cheio! Bamboleou a carapaça e ginasticava, como um atleta deformado, uma pessonha que queria ser animal, fosse ele qual fosse, e o tentava provar dançando. Passo por ti e fechas os olhos. Porque tens valores! Porque tens moral! A sua vozinha esganiçada e doente, as palavras saiam-lhe de dentro já verdes, a precisar de água. Ela não o via. Nem com o zoom da sua máquina de poemas. Eu não insisti para que ela se debruçasse, para que visse uma coisa que talvez lá não estivesse. Chamem-lhe orgulho. Eu chamo-lhe lucidez. Aguentei. Podia escarrar-te essas calças velhas, de texteis ocidentais, feitos a oriente, por escravos, e nem mexias a mínima palha. Podia defecar-te os sapatos rôtos, orgulhosamente dalmáticos, tão artificias como o teu velho mundo e continuavas aí quieto, a fingir olhar o mar e contar as estrelas! Apaguei a luz com luz, disse-me ela interrompendo a inenarrável abjecção. Repara: temos escuro onde disparei luz. A máquina avariou disse-lhe eu. Sabes quem eu sou, sabes? Tomas-me por uma existência desprezível? Eis-me em esplendor: eu sou o IMPÉRIO e tu não és peça solta na engrenagem! Acabaram-se as leis. Tempo morto no tempo. Esborrachei-o. Ela falou muito depressa: mantém a posição, vai ficar um belo poema! Pois se salvei o mundo querida!? Dispara e tudo pode continuar.

1 Comments:

Blogger T said...

Absolutamente genial. Mais um.

March 07, 2007  

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