9/20/2006

A gata.

Acabar o dia e receber uma foot massage. Talvez enquanto se bebe uma bebida indecorosa. Jeni gosta do tropor lânguido das coisas. Seja na vida real ou nos seus filmes a preto e branco, transforma sempre o ambiente num caldo remexido, aquecido a lenha. A sua única convicção é a lucidez de que a esperança (de esperar) enquanto conceito não faz sentido nenhum. As coisas acontecem a uma velocidade aleatória, fortuita, contida no seu adormecimento. Que sentido tem esperar pelo que virá concerteza no preciso momento em que tiver que vir? Sem dramas ou avanços ou recuos já chegou, ela é que ainda o não sabe.
Jenni gosta de aquecer as mãos entre as pernas, abandonar-se na serenidade do tempo que passa. Tracem-lhe que estado clínico traçarem ela lá está, deitada a sorver o inverno pela abertura de uma janela fechada. Tudo é, tudo foi, na conjuntura favorável de um diálogo com o gato. Com ele, Jeni mia, e podia fazer tudo o resto, não fosse o gato um gato. Ou não fosse a Jeni, a Jeni. Mas porquê querermos ser o que não somos e tentarmos o que não podemos quando temos a poesia a explicar tudo como deve ser explicado? Jeni é uma gata dengosa numa alcova de lã. Ela sabe disso perfeitamente.
Alguns passos sem compasso e já está: a música desprendeu-se em nuvens pelas paredes de marfim em sonhos. A marcar o ritmo está um corpo que rebola no fumo espesso de um borrão que arde. Arde no fogo, desfaz-se no ar. Como o corpo, a dançar no escuro quente até se perder. Mais uma volta Jeni, talvez chova a seguir.
Não vou contar nenhuma história, não vamos ter desfecho. Temos a Jeni a rir lá dentro, no quentinho da sua alma, a desejar ser exactamente a oportunidade do que é, a leveza da música, o mistério do fumo, o sono do gato.

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