4/23/2007

Dúvida Metódica

O Homem criou nos últimos 150 anos, um modo de vida (que nasce a Ocidente) assente na asserção de que o poder está associado ao dinheiro. Todas as outras épocas da história humana se inserem na órbita da luta pelo poder, no entanto, esse poder expressava-se de formas distintas às expressas hoje em dia. A uma conta bancária recheada, ou a reservas de petróleo duradouras dentro das fronteiras de um país, já corresponderam previlégios de ordem religiosa, cultural, territorial ou militar. A ambição de poder do Homem já se manifestou na forma do sacerdote que comunica com o além, do filósofo que reflecte sobre a sua comunidade, do rei que funda Impérios e impõe o seu poder através da guerra. Hoje em dia, o ideal de poder, a ambição dos grandes, seguida de uma ambição simétrica, em pequena escala, dos pequenos, essa ambição prende-se com o objectivo único de acumular capitais.
Desde o século XIX, e após a revolução industrial, o mundo reorganizou-se tendo como centro, como lógica unificadora, a existência de um bem considerado essencial e insubstituível: o dinheiro. É a partir da consolidação do capitalismo, que se vem formando desde o século XV, que as sociedades humanas afirmam a sua sede de poder, quer possuindo mais dinheiro enquanto nação do que as outras, quer possuindo mais dinheiro e bens enquanto indivíduos do que os outros. Todas as antigas aspirações individuais, sociais, culturais e filosóficas, pura e simplesmente se eclipsaram do horizonte humano. Criámos a dependência do dinheiro e não nos apercebemos que, ao fazê-lo, criávamos um monstro que necessita de constantes cuidados e alimentação. Porque quando toda a dinâmica de uma sociedade assenta no pressuposto de que esta deve sempre prosperar economicamente, é inevitável que os mecanismos que se criam para alimentar essa riqueza sejam de origem e propósitos totalmente supérfluos e artificiais: hoje em dia, o que faz a sociedade rolar é a sua absoluta necessidade de bens sem qualquer utilidade, de que nos tornámos completamente dependentes para aspirar ao suposto bem supremo da felicidade. Ao contrário dos animais e das plantas, nós não nos contentamos apenas em sobreviver, essa é somente uma parcela da equação, nós queremos usufruir de luxo e viver acima de todas as possibilidades. Ora, é uma lei da natureza, que uma espécie, seja ela qual fôr, se expanda e se extinga em equilíbrio numérico, caso contrário, o aumento da sua população rapidamente se tornará incomportável face ao espaço. Sendo assim, e tendo em conta a nossa progressão numérica, o que é que nos vai acontecer?




Vou fornecer alguns dados, servindo-me do exemplo que me é mais próximo, Portugal. Supostamente atravessamos uma crise de natalidade. Supostamente os portugueses têm poucos filhos, e isso deve-se a uma conjuntura de crise de que conhecemos bem as razões. Todavia, a população portuguesa quintiplicou desde 1800, mantendo-se a demanda por mais pessoas para fazer face às constantes necessidades económicas do país, o que é legítimo aos olhos da actual lógica mundial. Por seu lado, a população idosa é cada vez mais numerosa no país, e ano após ano vemos crescer a esperança média de vida, fruto do trabalho miraculoso da medicina. O que me faz confusão, pensando que a minha geração (20-30 anos) poderá contar com uma esperança média de vida a rondar os 90 anos, que a migração entre os vários continentes é cada vez mais constante, que, por exemplo, a China conta com 3 biliões de almas, a India com bilião e meio, e a Indonésia com outro bilião, o que me faz confusão é pensar onde é que se vai meter esta gente toda.
Não sou contra a imigração, pelo contrário, sou a favor. Para mim somos todos absolutamente iguais perante a natureza, mas creio que esta pergunta não pode deixar de ser feita. Onde é que se vai meter toda a gente? Talvez tenhamos a repetição, em muito maior escala, da eclosão de cidades e cidades e cidades, as Amadoras, e Loures, e Almadas e outras do género, só que muito maiores, capazes de albergar muito mais indíviduos. A questão é saber por quanto tempo, até à comporta fender e vir tudo de enxurrada. Eu moro numa aldeia do concelho de Cascais; essa aldeia há vinte anos contava c.d. 400 pessoas. Hoje a população ultrapassa as 4000, dez vezes mais. Garanto a todos que, literalmente, já cá não cabe mais ninguém, todavia, o ritmo de construção tem-se intensificado ano após ano, não restando um metro quadrado de área natural ou agrícola. Pode-se afirmar que a qualidade de vida na minha aldeia, para os seus moradores, melhorou desde à vinte e anos, e dizer-se até que nunca na sua história foi tão boa. Gostos não se discutem, e lá que eu não goste de me sentir apertado e estrafegado em dióxido de carbono é cá comigo; agora, não parece a todos óbvia uma certa megalomania no progresso do Homem? Não sabemos todos onde é que os episódios megalómanos costumam acabar?



Se na contemporaneidade estamos dependentes do dinheiro, este está dependente do petróleo. Para além do uso que lhe damos para fazer combustível, o petróleo é hoje a base de bens que são totalmente essenciais para a manutenção do status quo económico. E para a nossa sobrevivência também. Para dar um exemplo, a produção industrial em que se tornou a actividade agrícola, necessária para conseguir alimentar tantas bocas (e a maioria delas continua excluída), essa produção maciça está dependente da existência dos pesticidas. Sem pesticidas as nossas colheitas diminuiriam de um dia para o outro nuns bons 80 por cento. Ora, qual é a base de qualquer pesticida: petróleo. As embalagens que conservam os nossos alimentos, petróleo. As estradas de alcatrão, petróleo. As tintas que pintam as nossas casas, ainda e sempre petróleo. Digamos que sem petróleo de hoje para amanhã, bem não digamos nada... todos sabemos o que aconteceria num curto espaço de tempo.
A grande novidade, claro, é que o petróleo acabará em 30 anos, mais coisa menos coisa, e actualmente apenas o hidrogénio, muito timidamente, parece oferecer alguma luz de esperança acerca da sua utilização como combustível eco-eficiente e económicamente viável. De resto, onde estão as alternativas? Como lidaremos daqui a 30 anos com o fim dessa energia, nós os que nessa altura formos umas 30 vezes mais numerosos do que somos actualmente? Portugal talvez tenha vinte, trinta, quarenta milhões de cidadãos nessa altura. O que nos acontecerá se não pudermos sair de casa para trabalhar? O que nos acontecerá se nos deixarem de pagar o salário? O que acontecerá se não houver nada para comer?
Quando eu faço uma pergunta deste género, sou imediatamente bombardeado com invectivas positivistas que me reduzem imediatamente à insignificância que eu provavelmente tenho. Entretanto, dizem-me eles, já se encontrou maneira de substituir o petróleo, e os pesticidas e o diabo a sete. Vamos para o trabalho de jacto e compramos moradias em Marte. É o progresso infalível da humanidade, o seu avanço em eterno esplendor. O que me parece a mim, e espero estar enganado, é que tem sido essa confiança infalível que nos fez chegar ao ponto a que chegámos. E mesmo que consigamos suplantar a dependência de petróleo, mesmo que tripliquemos as nossas colheitas e as restantes produções, mesmo que deixemos de emitir gases poluentes de hoje para amanhã, mesmo assim, os nossos problemas ambientais serão insolúveis num espaço de, no mínimo, cem anos. Se são insolúveis, se o clima está de facto a mudar, se vamos assistir a uma alteração de uma rapidez sem precedentes na história geológica do clima na terra, seremos nós super-homens, super espécies de seres orgânicos que simplesmente conseguem continuar a produzir-se ininterruptamente em crescendo, a produzir o suficiente para garantir a sobrevivência de todos num espaço que está a diminuir, em condições que alterarão os ciclos daquilo que comemos associados à extinção de animais e plantas essenciais nas cadeias alimentares? Se assim fôr, seremos a primeira espécie a consegui-lo em toda história de vida na terra.

E seria maravilhoso se o fôssemos, um desafio que, aí sim, depois de ultrapassado, nos faria caminhar rumo a algo de divino, algo que ultrapasse o que somos hoje. Poderá ser este o caminho, ou poderá ser outro totalmente inverso, outro que, a ocorrer, faria desabar absolutamente todos os dogmas que estabelecemos acerca de nós e da nossa superioridade. É esta aliás a primeira lição que devemos tirar das alterações climáticas: a da humildade, da profunda humildade que devemos ter perante a natureza enquanto seres conscientes. A humildade de admitir que, apesar de termos internet, satélites espaciais, apesar de termos domesticado milhares de milhares de espécies selvagens, de termos media e filosofia, e hi5 e hi-pod e extrairmos substâncias de plantas para fazermos droga, de sabermos contar os planetas da via láctea e de conhecermos a mecânica dos nossos corpos, apesar de tudo isto, estamos à mercê da natureza como qualquer outra forma de vida. E não estamos em posição de desafiá-la.
Percebendo isto, e sabendo que as soluções são derivantes de outras já encontradas, talvez olhando o passado reencontremos a resposta que antepassados nossos já encontraram em épocas remotas da história. Talvez aí possamos redefinir prioridades simples, como a de qual poderá ser o sentido das nossas próprias vidas. Seremos nós de facto, pessoas que explanam o seu período de vida competindo, lutando por acumular lucro, baseando o seu quotidiano de bom grado nas emanações de Wall Street, onde verdadeiros doidos psicóticos, encharcados em droga, estabecem o preço das nossas vidas, a taxa de empregabilidade que iremos ter para evoluir nas nossas actividades de interesse? Se assim fôr, e de certeza que para muitos será, eu argumento que um ritual druida em noite de lua cheia, ou o sacrífício de um porco numa aldeia de Trás-os-Montes, estabelecem bem melhor o contacto que devemos ter com o que nos rodeia, a interiorização da natureza, do que esse ritual de compra e venda de nada, com o único propósito de continuar a contribuir para a destruição do planeta, enquanto espaço habitável por seres humanos. Nós não estamos, pura e simplesmente, em condições de nos rir da simplicidade extrema dos nossos antepassados, estamos antes em necessidade de compreender onde, na sua ingenuidade, no seu desconhecimento, na sua natureza primária, se encontra a superior sabedoria de viver em associação com o espaço. E aí fundirmos essa lição com todo o conhecimento e avanço que deles temos.

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