4/23/2007

in existência


in existência



“o amanhã não existe; mas obceca-nos. A característica essencial dos acontecimentos futuros é serem incertos. Esta incerteza é fundamentalmente irredutível (até ao próximo nascer do sol não é totalmente seguro; quem sabe se o fim do mundo não será na próxima noite?).”

Albert Jacquard
geneticista das populações.



A minha escrita pode gatinhar, pode mais não ser que um tenebroso silêncio gritado em universais vazios. Pode a filosofia ser coxa, amputada; pode não ser mais do que um extropiado de guerra a arrastar pobreza e doença. Pode também a minha física ser nada. Nada mais do que ela mesmo, nada, que sendo-o, não o é. E de nada serve. Posso ser um acumular de ignorâncias, de lógicas insignificâncias religiosamente descritas. Posso ser tudo isso. Mas como Jacquard, sou dos que sabem que não existe amanhã. E a utilidade que isso tem!

Porque nada sendo de facto, nada representando no presente e sendo virtualmente longo para atravessar qualquer tempo granular, eu não existo. E não erro porque não existo. E sabem que traz vantagens sabermos que não existimos? a primeira é que, ao sabermos tal, tal deixa de nos preocupar. Porque não existindo, não existe responsabilidade, não existe desejo, não existe ambiguidade. Trata-se tudo de uma ilusão, de uma comédia de partículas atómicas que, reagindo todas em simultâneo, fornecem uma ilusão megalomana mas redutível a qualquer jogo de sinapses cerebrais. O universo é de biliões de milhões, as sinapses são de mais. Onde é que está o mistério?

O ontem é assimilável pela recordação. Pela erosão provocada pelo tempo, pelas suas adicções e subtracções. Mas o tempo não faz coisa nenhuma. Não está em lado nenhum, é um mecanismo cerebral que une, através de cuspo, selos e estampilhas numa caderneta filatelaica. Filatélica? Se o amanhã existisse gostaria de saber qual a lei gramática para tornar a ciência da filatelia num atributo de albúm de coleccionador. Como sei que não existe amanhã, que interesse poderia isso ter?

O todo é a proporcionalidade de infinitas probabilidades. Não existindo e não captando de todo o que me marioneta, detenho a característica da minha espécie, comum de resto à generalidade dos mamíferos, a curiosidade. E devo-me entreter na ilusão, como todos nós de resto, mas consciente do mais pequeno peso, da mais pequena forma, da mais pequena duração, rapidamente tornando-me eu próprio na consciência da inconsciência tornada poesia, tão real como qualquer outra irrealidade. E aí, é Fernando Pessoa ou um dos heterónimos que me inveja por não ser ele o burro, o caminho do burro, a ausência de burro que caminha, submisso e guiado, o seu fardo de palha.

Probabilidade. Qual a probabilidade da natureza cometer um erro? Decerto ínfima, decerto mil algarismos à direita da vírgula, mas o erro provável existe: somos nós que pela nossa unicidade pensamos e ansiamos o amanhã, vivêmos lá como se ele houvesse sido já. E não foi. E não é, nem nunca será. Porque o amanhã está no fim do mundo, no limite espacial do tempo contado numa seta disparada algures por um índio. Sim, sou antropocêntrico. No fundo, sou. Mesmo não sendo nada, sou o defeito por excelência manifestando-se incoerente. Mas tão inocente que dá graça.

Genética ou o fim dos caminhos que o tempo sedimenta. A molécula de ADN não é determinista, não parte da causa para o fim. Inventou-se a si mesma para durar a eternidade. Segundos de estrondo, divididos numericamente em 5.10 44. sec, a melhor ideia que podemos ter da sucessão genética é a de um festim de fotocopiadoras fotocopiando-se. Triliões de vezes, biliões de anos tão rápidos como a sua própria sombra. Lucky Lukes de expansão em expansão, tão rápidos que não se mexem. Como tudo. Convencido de que tudo é apenas velocidade.

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