4/27/2007

17:16 ou divagação II


Sou o solitário do terreiro do paço. O burguês, o janota do charuto. Ao longe não arde o seu borralho. De onde me tiram o retrato. Mas ele lá está, como eu, báculo que me esconde a penúria, a flatulência do arrogante oitocentista. O clap-clap do seu andar: ao café, para mais disfarces!

Sou a recolectora. A mãe de fibra que fica para trás. A amamentar, a cuidar. Sou a obediencia a rituais sagrados, consagrados a mãe mais mãe do que eu. Sou a fome da minha tribo, o que sangra do meu clã. No ventre albergo o futuro, nas mãos simples bagas de progresso.

Sou o décimo terceiro malmequer. O vicente que não pintou. Sou a natureza para lá de morta jazendo tinta fechada em frascos. Por misturar. Minha cor é uma corrente de passado.

Minha força a que lidera o exodo popular. Sabre na cintura, albornoz de ventos. Compensará a sede de vingança albanesa? A jura antiga de regar a solidão a sangue? Sou a calma mantida no cortejo, um pequeno embaraço de tradição.

Sou o eixo circular, a cegueira de anos à luz das velas. Calculando, desenhando. Calculando, desenhando. Um homem nomenclatura carnívoro, poeta de oceanos disputados pelo instinto e pela ciência.

Sou a filosofia so século XX. A estética teatral quando o teatro se lutava na andaluzia à espada. Ao martelo e ao bijagóz. Sou o estranho estrangeiro de si a copiar iluminuras, ao serviço de Dom Manuel, que há que tornar célebre tanto homem como obra.

Sou uma vitima de feudalismo tradicional. Dízimos e foros por cobrar. Sou umas calças de ganga a precisarem de ser lavadas com urgências indígenas e ameríndias. Soro fisiológico: sou a última oportunidade Russeliana do Homem. A conspurcação do leonardo. O fetiche do sade(ico) a ligar cabos de HP all-in-one scanner impressora copiadora.

Magritte que desenhaste tu antes de lá pores uma maçã? Sou esse mistério pujante e uma encadernação dramática de história de arte à antiga italiana. Sou uma dívida ao hospital Curry cabral.

Sou um gatafunho em moleskine, um rossio antes do terramoto. Campos de oliveiras e sobreiros em cima do el corte inglês. Sou um mandarim chinês. Sabem bem a quem me refiro, uma fortuna herdada sem maquiavelismos e desditas românticas.

Sou a ciência ao serviço dos não cientistas. Esclarecimentos vários. Sou a verga do caixote a abarrotar seus papéis e seus caroços.

Onde estavas com a cabelça Almada para te esqueceres do chapéu? Que seja teu que interessa? Onde estás não lhe dás uso e eu sou também essa farsa.

Sou uma bela biografia. Cabide, camisa, fato de cerimónia. Todos os protocolos para receber Dali condignamente. Com um pente para bigodes. E muita atenção aos sonhos quando o sonho da subsistência simples se concretizar. Se desenjaular.

Trilobite, trilobite, trilobita por favor.
Maconde, macondinho, sobrevive por favor.

Sou a substância fechada de um espaço confuso de paredes amplas.

Sou diálogo, quimera e tampas de compota por enroscar. Que seria da pessoa do fernando se não fosse a inquietação? Que seria de vós todos sem o fenómeno da negação?

Cortiça, exportação. Sou também esse chão.

Ãu, ãu, ãu

Sou o óscar, o meu cão.

4/23/2007

Assalto ao poder


MANIFESTO FIAT A UMA GERAÇÃO FERRARI

Se me derem mais um poema que seja, vomito! Regurgito esses pores do sol de plástico ambicionando ser dignos de penas arranhadas em papel. Que se calcifiquem os dedos dos amargurados e dos vazios. Que vos corroa a artereosclerose precoce, razoável sadismo da sociedade a que os vossos poemas pipis e os vossos textos cocós religiosamente se submetem. Antes apanhassem nesses cús anafados com qualquer coisa de pesado, antes se arrastassem a vida inteira a assentar caboucos em África que fritarem-nos os miolos com a vossa bichosa melancolia. Que vos mandem pela pia! Que vos defequem com pontaria as longas testas e vos enterrem em aterros sanitários. Longe das vistas e dos nossos narizes! que o vosso tédio e o vosso rabo, ambos sentados a apodrecer qualquer coisa romântica, ou surreal, assuma que aí não há trabalho cerebral; apenas pútridos sons de digestões azi-áticas. agarrados às sanitas e aos lavatórios imundos de banalidades. Escorram dos cantos onde se colam como musgo feito peçonha. Corram rápido a reciclar, desperdício de vida a mandriar, a engordar e a ocupar, sem pudores, os cargos públicos.

Com licença meus senhores, deixem-nos passar!


Divagação


O que eu queria era dar-vos boas notícias. Que estávamos no bom caminho e que todos nós avançávamos para um conceito para lá de nós. Era isso que eu queria, anunciar a realização de uma utopia. De um conto de fadas, do que quiserem. Queria chegar aqui e dizer-vos, “meus amigos, chegámos à era para lá dos valores, ultrapassada a moral. Chegámos à era em que não existem bons costumes, nem brandos.” todos nos realizamos em pleno e compreendemos que, para lá dessa realização, encontram-se compreensões nunca sonhadas.
Babilónica ambição a minha ser o arauto das verdadeiras boas novas, das que contam, que se prolongam para lá do horizonte estreito que enxergamos. Do debate positivo que sempre fazemos acerca do mundo e de nós próprios, que no fundo, nasce e resulta negativamente. Nós negamo-nos quotidianamente, prendemo-nos todos os dias a novas cordas, tudo isto enquanto realizamos dissertações acerca do livre-arbítrio, da nossa essência de liberdade. Por favor, meus senhores, falem de verdade! De verdades! Não debitem apenas impressões da vossa consciência adulterada, liberal-socialista-tacanha! Nenhum de nós é livre dentro desse nosso conceito velho, porque, pura e simplesmente, ele não existe na natureza. Nascer é privarmo-nos do livre-arbítrio.
Como pensar em deus, em ente supremo, em natureza, no que quiserem, não é possível sem lhe negar o livre-arbítrio de existir. Porque acima da superioridade de qualquer deus encontra-se a vontade do destino. E é ele que convoca deus, que nos convoca a nós, a participarmos do teatro. E em ambicionarmos ser livres.
A liberdade está na nessecidade de todos os factos existirem como existem. Eu escrevo por necessidade, tu lês por necessidade, mas não são necessidades nossas, mortais. É uma articulação das leis a que chamamos leis por ignorância, que seguem impávidas por infinito espaço, em infinito tempo, que, por o serem (infinitos), não o são. Não existem, pura e simplesmente. Porque a existirem teriam que ter um princípio e um fim, como tudo o que é real e não têm porque são compostos por números, infinitamente infinitos, balizados pelo zero, que, por o ser, não é nada.
Estamos assim inseridos num contexto absurdo, mas que só o é, porque deriva da nossa colocação perante o problema. Porque verdade, verdade é que nada nem ninguém pode garantir que é à óptica da lógica, dos princípios e dos fins, que tudo se processa e não através de um mecanismo de que não fazemos puto ideia. Pura e simplesmente.
Enquanto o homem for apenas homem não deixará de procurar na arca das suas impressões significados para a existência, definições para o que é real ou não é. nós não nos lembramos que daqui a milhões de anos estaremos extintos e que a inteligência superior à face da terra será a de chocos, lulas e polvos gigantes que terão uma capacidade encefálica muito superior à nossa. Não nos passa sequer pela cabeça que sejamos parte de um organismo vivo, que tem um ciclo de vida e do qual nós somos como uma célula no nosso próprio organismo. Somos assim, insuflados, cheios de nós e, acima de tudo, cheios de um vento vazio que nos torna o interior em vácuo.
E, no entanto, a inteligência abstracta, a sapiência que faz de nós sapiens, se nos massacra de incerteza, de ilusões, permite que façamos, desde a cadeira de tortura, raciocínios interessantes, que talvez nos digam que o caminho para ser andado precisa de o ser descalço e sem preocupações.

A) Quem estiver a ler este texto, neste preciso momento (eu sei que disse que o tempo não existe mas como não ser incoerente?) pode estar certo que toda a história do universo, de deus, do mundo para além do mundo e da compreensão, todos os triliões de triliões de triliões de acontecimentos diários que ocorreram desde o inicio da existência, desde o princípio dos tempos (se o houve) encadeados uns nos outros como uma cadeia cerrada de adn mitocondroidal, todos eles ocorreram para que, neste preciso momento, neste preciso instante, segundo, milésimo, estivesse a ler o que eu escrevo. Isso aproxima-nos a um ponto que eu não consigo descrever por palavras, que não é possível descrever por palavras, mas ultrapassa em muito a noção básica e vulgar de amor entre homens.

B) Quem estiver a ler este texto, neste preciso momento (eu sei que disse que o tempo não existe e reafirmo-o) não está de facto, neste preciso momento a ler este texto. Porque, na verdade, nada do que faça tem carácter real na medida em que são fenómenos que ocorrem no espaço-tempo desde o princípio dos tempos que, por ser infinito e, por puder ser batido e reduzido a nada dependendo da velocidade a que nos deslocamos (relatividade) não existe enquanto realidade. Tu não existes, como este texto não existe, como não existe o amor a poesia e este écran de computador. Não existe sequer uma existência real, antes um insignificante interlúdio onírico palpável.

Escolhe a hipótese certa.

in existência


in existência



“o amanhã não existe; mas obceca-nos. A característica essencial dos acontecimentos futuros é serem incertos. Esta incerteza é fundamentalmente irredutível (até ao próximo nascer do sol não é totalmente seguro; quem sabe se o fim do mundo não será na próxima noite?).”

Albert Jacquard
geneticista das populações.



A minha escrita pode gatinhar, pode mais não ser que um tenebroso silêncio gritado em universais vazios. Pode a filosofia ser coxa, amputada; pode não ser mais do que um extropiado de guerra a arrastar pobreza e doença. Pode também a minha física ser nada. Nada mais do que ela mesmo, nada, que sendo-o, não o é. E de nada serve. Posso ser um acumular de ignorâncias, de lógicas insignificâncias religiosamente descritas. Posso ser tudo isso. Mas como Jacquard, sou dos que sabem que não existe amanhã. E a utilidade que isso tem!

Porque nada sendo de facto, nada representando no presente e sendo virtualmente longo para atravessar qualquer tempo granular, eu não existo. E não erro porque não existo. E sabem que traz vantagens sabermos que não existimos? a primeira é que, ao sabermos tal, tal deixa de nos preocupar. Porque não existindo, não existe responsabilidade, não existe desejo, não existe ambiguidade. Trata-se tudo de uma ilusão, de uma comédia de partículas atómicas que, reagindo todas em simultâneo, fornecem uma ilusão megalomana mas redutível a qualquer jogo de sinapses cerebrais. O universo é de biliões de milhões, as sinapses são de mais. Onde é que está o mistério?

O ontem é assimilável pela recordação. Pela erosão provocada pelo tempo, pelas suas adicções e subtracções. Mas o tempo não faz coisa nenhuma. Não está em lado nenhum, é um mecanismo cerebral que une, através de cuspo, selos e estampilhas numa caderneta filatelaica. Filatélica? Se o amanhã existisse gostaria de saber qual a lei gramática para tornar a ciência da filatelia num atributo de albúm de coleccionador. Como sei que não existe amanhã, que interesse poderia isso ter?

O todo é a proporcionalidade de infinitas probabilidades. Não existindo e não captando de todo o que me marioneta, detenho a característica da minha espécie, comum de resto à generalidade dos mamíferos, a curiosidade. E devo-me entreter na ilusão, como todos nós de resto, mas consciente do mais pequeno peso, da mais pequena forma, da mais pequena duração, rapidamente tornando-me eu próprio na consciência da inconsciência tornada poesia, tão real como qualquer outra irrealidade. E aí, é Fernando Pessoa ou um dos heterónimos que me inveja por não ser ele o burro, o caminho do burro, a ausência de burro que caminha, submisso e guiado, o seu fardo de palha.

Probabilidade. Qual a probabilidade da natureza cometer um erro? Decerto ínfima, decerto mil algarismos à direita da vírgula, mas o erro provável existe: somos nós que pela nossa unicidade pensamos e ansiamos o amanhã, vivêmos lá como se ele houvesse sido já. E não foi. E não é, nem nunca será. Porque o amanhã está no fim do mundo, no limite espacial do tempo contado numa seta disparada algures por um índio. Sim, sou antropocêntrico. No fundo, sou. Mesmo não sendo nada, sou o defeito por excelência manifestando-se incoerente. Mas tão inocente que dá graça.

Genética ou o fim dos caminhos que o tempo sedimenta. A molécula de ADN não é determinista, não parte da causa para o fim. Inventou-se a si mesma para durar a eternidade. Segundos de estrondo, divididos numericamente em 5.10 44. sec, a melhor ideia que podemos ter da sucessão genética é a de um festim de fotocopiadoras fotocopiando-se. Triliões de vezes, biliões de anos tão rápidos como a sua própria sombra. Lucky Lukes de expansão em expansão, tão rápidos que não se mexem. Como tudo. Convencido de que tudo é apenas velocidade.

Dúvida Metódica

O Homem criou nos últimos 150 anos, um modo de vida (que nasce a Ocidente) assente na asserção de que o poder está associado ao dinheiro. Todas as outras épocas da história humana se inserem na órbita da luta pelo poder, no entanto, esse poder expressava-se de formas distintas às expressas hoje em dia. A uma conta bancária recheada, ou a reservas de petróleo duradouras dentro das fronteiras de um país, já corresponderam previlégios de ordem religiosa, cultural, territorial ou militar. A ambição de poder do Homem já se manifestou na forma do sacerdote que comunica com o além, do filósofo que reflecte sobre a sua comunidade, do rei que funda Impérios e impõe o seu poder através da guerra. Hoje em dia, o ideal de poder, a ambição dos grandes, seguida de uma ambição simétrica, em pequena escala, dos pequenos, essa ambição prende-se com o objectivo único de acumular capitais.
Desde o século XIX, e após a revolução industrial, o mundo reorganizou-se tendo como centro, como lógica unificadora, a existência de um bem considerado essencial e insubstituível: o dinheiro. É a partir da consolidação do capitalismo, que se vem formando desde o século XV, que as sociedades humanas afirmam a sua sede de poder, quer possuindo mais dinheiro enquanto nação do que as outras, quer possuindo mais dinheiro e bens enquanto indivíduos do que os outros. Todas as antigas aspirações individuais, sociais, culturais e filosóficas, pura e simplesmente se eclipsaram do horizonte humano. Criámos a dependência do dinheiro e não nos apercebemos que, ao fazê-lo, criávamos um monstro que necessita de constantes cuidados e alimentação. Porque quando toda a dinâmica de uma sociedade assenta no pressuposto de que esta deve sempre prosperar economicamente, é inevitável que os mecanismos que se criam para alimentar essa riqueza sejam de origem e propósitos totalmente supérfluos e artificiais: hoje em dia, o que faz a sociedade rolar é a sua absoluta necessidade de bens sem qualquer utilidade, de que nos tornámos completamente dependentes para aspirar ao suposto bem supremo da felicidade. Ao contrário dos animais e das plantas, nós não nos contentamos apenas em sobreviver, essa é somente uma parcela da equação, nós queremos usufruir de luxo e viver acima de todas as possibilidades. Ora, é uma lei da natureza, que uma espécie, seja ela qual fôr, se expanda e se extinga em equilíbrio numérico, caso contrário, o aumento da sua população rapidamente se tornará incomportável face ao espaço. Sendo assim, e tendo em conta a nossa progressão numérica, o que é que nos vai acontecer?




Vou fornecer alguns dados, servindo-me do exemplo que me é mais próximo, Portugal. Supostamente atravessamos uma crise de natalidade. Supostamente os portugueses têm poucos filhos, e isso deve-se a uma conjuntura de crise de que conhecemos bem as razões. Todavia, a população portuguesa quintiplicou desde 1800, mantendo-se a demanda por mais pessoas para fazer face às constantes necessidades económicas do país, o que é legítimo aos olhos da actual lógica mundial. Por seu lado, a população idosa é cada vez mais numerosa no país, e ano após ano vemos crescer a esperança média de vida, fruto do trabalho miraculoso da medicina. O que me faz confusão, pensando que a minha geração (20-30 anos) poderá contar com uma esperança média de vida a rondar os 90 anos, que a migração entre os vários continentes é cada vez mais constante, que, por exemplo, a China conta com 3 biliões de almas, a India com bilião e meio, e a Indonésia com outro bilião, o que me faz confusão é pensar onde é que se vai meter esta gente toda.
Não sou contra a imigração, pelo contrário, sou a favor. Para mim somos todos absolutamente iguais perante a natureza, mas creio que esta pergunta não pode deixar de ser feita. Onde é que se vai meter toda a gente? Talvez tenhamos a repetição, em muito maior escala, da eclosão de cidades e cidades e cidades, as Amadoras, e Loures, e Almadas e outras do género, só que muito maiores, capazes de albergar muito mais indíviduos. A questão é saber por quanto tempo, até à comporta fender e vir tudo de enxurrada. Eu moro numa aldeia do concelho de Cascais; essa aldeia há vinte anos contava c.d. 400 pessoas. Hoje a população ultrapassa as 4000, dez vezes mais. Garanto a todos que, literalmente, já cá não cabe mais ninguém, todavia, o ritmo de construção tem-se intensificado ano após ano, não restando um metro quadrado de área natural ou agrícola. Pode-se afirmar que a qualidade de vida na minha aldeia, para os seus moradores, melhorou desde à vinte e anos, e dizer-se até que nunca na sua história foi tão boa. Gostos não se discutem, e lá que eu não goste de me sentir apertado e estrafegado em dióxido de carbono é cá comigo; agora, não parece a todos óbvia uma certa megalomania no progresso do Homem? Não sabemos todos onde é que os episódios megalómanos costumam acabar?



Se na contemporaneidade estamos dependentes do dinheiro, este está dependente do petróleo. Para além do uso que lhe damos para fazer combustível, o petróleo é hoje a base de bens que são totalmente essenciais para a manutenção do status quo económico. E para a nossa sobrevivência também. Para dar um exemplo, a produção industrial em que se tornou a actividade agrícola, necessária para conseguir alimentar tantas bocas (e a maioria delas continua excluída), essa produção maciça está dependente da existência dos pesticidas. Sem pesticidas as nossas colheitas diminuiriam de um dia para o outro nuns bons 80 por cento. Ora, qual é a base de qualquer pesticida: petróleo. As embalagens que conservam os nossos alimentos, petróleo. As estradas de alcatrão, petróleo. As tintas que pintam as nossas casas, ainda e sempre petróleo. Digamos que sem petróleo de hoje para amanhã, bem não digamos nada... todos sabemos o que aconteceria num curto espaço de tempo.
A grande novidade, claro, é que o petróleo acabará em 30 anos, mais coisa menos coisa, e actualmente apenas o hidrogénio, muito timidamente, parece oferecer alguma luz de esperança acerca da sua utilização como combustível eco-eficiente e económicamente viável. De resto, onde estão as alternativas? Como lidaremos daqui a 30 anos com o fim dessa energia, nós os que nessa altura formos umas 30 vezes mais numerosos do que somos actualmente? Portugal talvez tenha vinte, trinta, quarenta milhões de cidadãos nessa altura. O que nos acontecerá se não pudermos sair de casa para trabalhar? O que nos acontecerá se nos deixarem de pagar o salário? O que acontecerá se não houver nada para comer?
Quando eu faço uma pergunta deste género, sou imediatamente bombardeado com invectivas positivistas que me reduzem imediatamente à insignificância que eu provavelmente tenho. Entretanto, dizem-me eles, já se encontrou maneira de substituir o petróleo, e os pesticidas e o diabo a sete. Vamos para o trabalho de jacto e compramos moradias em Marte. É o progresso infalível da humanidade, o seu avanço em eterno esplendor. O que me parece a mim, e espero estar enganado, é que tem sido essa confiança infalível que nos fez chegar ao ponto a que chegámos. E mesmo que consigamos suplantar a dependência de petróleo, mesmo que tripliquemos as nossas colheitas e as restantes produções, mesmo que deixemos de emitir gases poluentes de hoje para amanhã, mesmo assim, os nossos problemas ambientais serão insolúveis num espaço de, no mínimo, cem anos. Se são insolúveis, se o clima está de facto a mudar, se vamos assistir a uma alteração de uma rapidez sem precedentes na história geológica do clima na terra, seremos nós super-homens, super espécies de seres orgânicos que simplesmente conseguem continuar a produzir-se ininterruptamente em crescendo, a produzir o suficiente para garantir a sobrevivência de todos num espaço que está a diminuir, em condições que alterarão os ciclos daquilo que comemos associados à extinção de animais e plantas essenciais nas cadeias alimentares? Se assim fôr, seremos a primeira espécie a consegui-lo em toda história de vida na terra.

E seria maravilhoso se o fôssemos, um desafio que, aí sim, depois de ultrapassado, nos faria caminhar rumo a algo de divino, algo que ultrapasse o que somos hoje. Poderá ser este o caminho, ou poderá ser outro totalmente inverso, outro que, a ocorrer, faria desabar absolutamente todos os dogmas que estabelecemos acerca de nós e da nossa superioridade. É esta aliás a primeira lição que devemos tirar das alterações climáticas: a da humildade, da profunda humildade que devemos ter perante a natureza enquanto seres conscientes. A humildade de admitir que, apesar de termos internet, satélites espaciais, apesar de termos domesticado milhares de milhares de espécies selvagens, de termos media e filosofia, e hi5 e hi-pod e extrairmos substâncias de plantas para fazermos droga, de sabermos contar os planetas da via láctea e de conhecermos a mecânica dos nossos corpos, apesar de tudo isto, estamos à mercê da natureza como qualquer outra forma de vida. E não estamos em posição de desafiá-la.
Percebendo isto, e sabendo que as soluções são derivantes de outras já encontradas, talvez olhando o passado reencontremos a resposta que antepassados nossos já encontraram em épocas remotas da história. Talvez aí possamos redefinir prioridades simples, como a de qual poderá ser o sentido das nossas próprias vidas. Seremos nós de facto, pessoas que explanam o seu período de vida competindo, lutando por acumular lucro, baseando o seu quotidiano de bom grado nas emanações de Wall Street, onde verdadeiros doidos psicóticos, encharcados em droga, estabecem o preço das nossas vidas, a taxa de empregabilidade que iremos ter para evoluir nas nossas actividades de interesse? Se assim fôr, e de certeza que para muitos será, eu argumento que um ritual druida em noite de lua cheia, ou o sacrífício de um porco numa aldeia de Trás-os-Montes, estabelecem bem melhor o contacto que devemos ter com o que nos rodeia, a interiorização da natureza, do que esse ritual de compra e venda de nada, com o único propósito de continuar a contribuir para a destruição do planeta, enquanto espaço habitável por seres humanos. Nós não estamos, pura e simplesmente, em condições de nos rir da simplicidade extrema dos nossos antepassados, estamos antes em necessidade de compreender onde, na sua ingenuidade, no seu desconhecimento, na sua natureza primária, se encontra a superior sabedoria de viver em associação com o espaço. E aí fundirmos essa lição com todo o conhecimento e avanço que deles temos.

12:27


Eu quero criticar. Todos e cada um de nós. Começando por mim, que deveria estar a dar mais do que tenho guardado no peito. E não dou. Por um puro e insano egoísmo, que de puro (perguntam-se) detém a mera qualidade de inato.
Eu não procuro estabilidade nos tempos actuais. Sou contra essa noção. Ela mais não é que figura de corpo presente num deserto a torrar miragens. Essa e outras. Todas revestidas na película santificada da ambição.
Sou uma força viva, de geração recente, e transporto na mala o futuro dos homens. Como todos os jovens. Só que, como todos eles, esbanjo-o um pouco, dia após dia um pouco, ao longo de passos cravados de janelas. Abro-as e solto punhados de futuro, jogo-o à solta, ao encontro de qualquer gravidade.
Quero, como vocês querem também, doses regradas de aplauso, sucessos de várias formas e feitios, amor (mais receber do que dá-lo) e algum dinheiro. Talvez aderir à propaganda de estado e reclamar a devolução precoce do IRS. Quero, como vocês querem também, moradia para morar, vitórias no futebol e campos cobertos de açucenas.
Mas como eu sei, e vocês no fundo sabem, as açucenas são incompatíveis com as minhas mesquinhas vitórias. Sejam nas artes, no amor, no tacar de bolas numa mesa de bilhar. ou no futebol. Passam-se sacrifícios em promontórios para que eu vença. Para que eu vá para a cama excitado, de chama em brasa ardendo branda o orgulho que detenho na minha luzidia sala de troféus.
Porque temos todos a certeza da urgência de nos salvarmos. Vocês sabem-no bem. Tão bem como eu, melhor do que eu. Vocês sabem do que eu estou a falar, porque vocês vivem o mundo que eu vivo e porque vocês habitam corpos vossos que vos dão a sensibilidade de perceberem. A angústia de um acordar para o enforcamento diário. A angustia de comprar todos os dias uma corda para o enforcamento diário. A corda balançando os vossos corpos dos vossos décimos andares. A sombra dos vossos corpos inertes aliviando do sol um canário de janela. Tornamo-nos finalmente divinos pendurados do laço. E compreendemos o absurdo do nosso suicídio depois de o termos praticado. Depois e só depois. Espero eu, que dando pouco do que tenho guardado no peito, ainda guardo espaço para que caiba a esperança. Caso contrário, cumpra-se a ilógica do desperdício.


física quântica


Que mais há para além da chuva desolada regando adormecidas hortênsias? Das que podiam ser de pano.

Que outros mistérios para além deste, que outros presentes salvo a água circular à variedade da flor? Caindo sem eurekas, ciências ocultas, perdidas mecas, páginas de história por cantar ao pó atento das bibliotecas.

Resistem apenas suas cores, o regular aqui que se mantém. Olhares registo, observadores, a sua novidade está-nos aquém.

Equações, provas aritméticas, a prosa flauteada nas paredes de uma catedral. Que tem isso de cerebral? O que ocorre nessas miragens, vaporizadas coragens, longe do espaço do meu quintal?

Tudo sonhos, devaneios! Ausências incólumes de mim, marés de pós de prelim-pim-pim, caravela de espaço sem marinheiros.
Sobram a água e o canteiro no seu rigoroso florir. Corrente celebrada sem jardineiro a regar o seu provir.

4/12/2007

mudos